O Mar e Amar

Ana Bivar
3 min readAug 1, 2024

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Tenho me sentido pequenininha. Menor que um grão de areia. Mas também tem dias que me sinto enorme, só que comprimida em uma daquelas sacolas que a gente suga com aspirador pra deixar à vácuo. Voltando então a ser pequena, concisa, limitada e sufocada. Talvez eu tenha me encolhido por tanto tempo que agora acredito ser esse o meu tamanho mesmo já estando livre.

Tenho me sentido muda. Sem voz. Sem ter o que dizer. Mas quando olho atenta pra mim, percebo que na verdade tenho muito aqui dentro, mas é como se não conseguisse organizar as palavras para saírem com coerência. Talvez eu tenha ouvido tanto que eu não sei me comunicar que as palavras tenham feito greve em mim. Se organizaram para se recusar a sair e dizer coisas que os outros não mereçam ouvir. Tem gente que não merece nossa voz. E tá tudo bem ficar em silêncio. Mas depois de tanto silêncio dá medo de tentar falar e não sair nada, como se tivesse desaprendido a me expressar de forma espontânea depois de tantas vezes terem tentado encapsular minha voz em normas, técnicas e formatos que nunca me contemplaram.

Tenho me sentido incapaz de amar, ao mesmo tempo que sinto que tenho amor e afeto à oferecer. Mas é como se eu não soubesse mais direcioná-lo à outra pessoa. E não é que nesse meio tempo não tenham aparecido pessoas que mereciam meu amor, e nem que eu não tenha amado alguém. Tenho tido sorte em quem surge à minha volta, mas me sinto envolta em óleo gorduroso que não me permite ficar, só escorregar para a próxima história, e às vezes até para as antigas. Talvez tenha sido quando alguns amores deixaram de ver graça em me amar, e eu senti como se meu amor não tivesse valor, ou serventia. Às vezes tenho medo que meu amor faça mal à quem eu amo.

O amor já teve tantas formas em mim. Já o encontrei em tantos lugares, rostos, sorrisos. E todas as vezes que eu o encontrei senti desconforto. Não pelos que amei, mas pelo constante sentimento de que me amar é difícil. É como se assim que eu começasse a conhecer um potencial amor eu tivesse pressa em mostrar tudo de feio, todas as marcas, todas as dores curadas ou não, pra proteger a pessoa de me amar. Dissuadi-la a entrar no meu mar mostrando a bandeira vermelha de ondas constantemente revoltas. “Cuidado! Alto risco de afogamento!” Melhor não entrar, mas caso entre saiba que precisa saber nadar muito bem pra não se afogar, melhor ir com colete salva vidas. Afinal, são muitas águas de dores mexendo contra as pedras deixadas no meu coração.

Mas todo mar revolto tem também seus momentos de calmaria. E às vezes enganam, fazendo a gente achar que pode entrar distraído. Por isso minha necessidade em exibir a bandeira de alerta. Pra ninguém entrar desavisado. E se quiser entrar, que saiba como estão as águas dentro de mim. E eu não sei quando e nem se vou conseguir acalmar meu mar interno. Talvez ao menor sinal de cuidado eu mande uma sequência de ondas gigantes, será que você sabe surfar? Mar revolto não sente carinho brando, e nem sempre é fácil se acostumar com a calmaria.

Mas tenho esperança que, como disse Drummond, o amor seja grande, como o mar, e caiba no breve espaço de beijar. Tenho esperança, que mesmo com o mar revolto, e com os tantos desencorajamentos que emito, alguém ainda se sinta convidado a nadar em mim, e eu me permita ficar.

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Ana Bivar

“Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir.” Fernando Pessoa