Eu, assim como todas as pessoas, tenho dois lados dentro de mim. Por um lado sou extremamente racional, controladora e rígida com regras e éticas que julgo importantes. Por outro, acredito firmemente que não temos controle de nada, deixo eclodir os sentimentos e dou vazão para a espontaneidade e impulsos da vida. Ambos os lados são intensos e vorazes dentro de mim. Vivo um conflito constante entre meu racionalismo cético e minhas emoções que pulsam utopia e fé. E talvez seja por isso que sou tão evitativa em conflitos externos, os que existem dentro de mim já me exaurem.
Nas despedidas abruptas do último ano, eu fiz inúmeras decisões racionais sobre como lidaria com tudo o que me invadia em forma de dor e desespero. Guardei meus sentimentos apenas para os mais próximos e me dei prazos para sentir. Um prazo mais curto para a mágoa, outro um pouco maior para a saudade, outro para os momentos de tristeza, tentei apressar ao máximo o tempo da cura, e colocar à perder de vista a data para me apaixonar de novo. Deu errado. Coração não tem excel para acompanhar a GANTT da desilusão.
Apesar de ter sido necessário, neguei tantas coisas que senti no processo. Abaixei com racionalidade e antidepressivo o peso dos sentimentos que não conseguia controlar. Ativamente decidi não entrar em uma disputa de narrativa provavelmente perdida, e tentar manter as boas lembranças de antes dos tempos de mágoa. Decidi também que não ia implorar mais para que ninguém ficasse na minha vida, e com isso ficou claro quem valoriza estar ao meu lado. Mas apesar de tudo parecer tanto sob controle e eu ter conseguido sobreviver à tantas coisas e me reerguer, entendi que não conseguiria controlar sentimentos que vem e voltam.
Às vezes a saudade volta nos momentos menos oportunos. No meio daquele samba que a gente suava até o dia nascer e cantava com mão no peito e sabia a exata ordem das músicas do intervalo até que chegasse a nossa. Ou no meio de um dia de eliminação ou formação de paredão bombástica no BBB e que não posso te ligar pra você vir assistir comigo. Ou quando preparo batata com requeijão e calabresa e não tem mais você do mesmo lado do oceano pra dividir comigo. Acho que até minha cachorra sente falta da sua. E tem vezes que a saudade chega com sorriso brando e gratidão por ter vivido essa rede de afetos tão improvável e utópica na nossa sociedade hetero-monogâmica-normativa. Às vezes como lágrimas por alguns desses amores terem se transformado só em dor, e por não termos honrado a sorte desse encontro.
Além da saudade, um sentimento que neguei à todo custo foi o amor novo que chegou. Quando percebi eu tava em casa pensando naquele sorriso besta que surge no seu rosto depois de você falar alguma idiotice politicamente incorreta. Me vi sorrindo em milésimos de segundos de afeto demonstrado e escapado dentro de tudo que tentamos fugir por não estarmos prontos para viver isso. Pensei tantas vezes e hipervalorizei nossas notáveis diferenças, como se elas fossem impossibilidades. Disse pra mim mesma que era cedo demais, difícil demais, que eu não tava curada o suficiente, que não era certo sentir algo novamente tão rápido. Entre beijos inesperados na barriga, provocações juvenis e risadas que você me arrancou quando eu pensava ser impossível sorrir, você fez morada no meu peito. E agora me pergunto o que eu faço com isso que habita em mim sem ao menos pagar aluguel.
Esse ano também perdi o controle das minhas certezas. Do que duraria a vida toda, das minhas ideologias, e de tudo o que me solidificava nesse eu que descobri nos últimos anos. Tudo muda o tempo todo e nada é pra sempre mesmo. E por isso sou amante das contradições da vida. Quem somos hoje, não é quem seremos amanhã. E por mais satisfeitos e felizes com nossa versão atual, é inevitável que a gente se transforme ciclicamente. As incertezas tem me invadido sem permissão, como a saudade e o amor. E assim como eles, às vezes essa invasão é celebrada, e às vezes desaguada em lágrimas que tentam entender e sonham com alguma estabilidade. Às vezes me sinto revisitando o terremoto que passei no Chile, onde o que mais me assustou foi que a grande segurança dos pés no chão, se tornou pavor. A segurança tem fugido trêmula dos meus pés cansados. E talvez assim como naquele tempo, o alívio seja exatamente conseguir voar nas incertezas. Vem voar comigo?