É Poesia!

Ana Bivar
4 min readFeb 23, 2024

--

Crédito da foto: @nomeiodobloco

Por muitos anos eu detestei o Carnaval. Minha mãe dizia que era a festa da carne. Mas de que somos feitos senão carne? Demorei exatos 30 anos para perceber, entender e sentir que minha carne é de Carnaval e meu coração igual... Hoje eu tenho um compromisso sério com o Carnaval. Minha primeira semana do ano é o momento de ir no centro, organizar quais fantasias farei e o que vou precisar comprar e passar o mês de Janeiro inteiro fazendo fantasias no pós expediente do trabalho. E logo no primeiro final de semana do ano lá está ele… o Carnaval e toda sua poesia ocupando as ruas da cidades pulsante!

Carnaval é subversão das lógicas monótonas do dia a dia. É acabar com tudo o que “tem que”, é se permitir ser quem quiser, se desfazer de todas as camadas do que dizem que precisamos ser. E talvez seja por isso que é tão difícil explicar o Carnaval, por que não se explica, se vive, se pulsa, se sente. E provavelmente é o que me fez demorar tanto a vivenciar isso, eu tentava entender porque as pessoas gostavam, mas assim como poesia é sobre sentir, é subjetivo. Carnaval é CONEXÃO, é liberdade. E o que parece banal, ou desconfortável, é leve, é mágico, é rastro de felicidade pela cidade. É também se apossar na marra dos espaços públicos cinzas e deixa-los coloridos. É transformar a estética da burocracia em estética mágica e fantasiosa. É a única época do ano que a fantasia ganha dentro de mim.

No Carnaval não importam quantos muito quantos quilometros foram percorridos. Se no dia a dia você caminha 1km por dia, e no Carnaval 14, 15 ou 16kms, você não está saindo do sedentarismo, ou invocando um mantra clichê de força, foco e fé. Você pintando a cidade com um caminho de liberdade. E o que são 16km pra espalhar liberdade numa cidade tão quadrada? Se você está pingando de suor no meio da multidão, na verdade você está virando oceano, sendo parte de uma maré alta de múltiplas pessoas oceanizando também. Se você pega um gelinho do camelô e passa no corpo, você não está simplesmente baixando sua temperatura corporal e dos seus amigos, você tá brincando consigo e com o outro num misturar de sensações que gera pequenas contorções de prazer e alívio. E quando você sobe no andaime, muro, ou placa de trânsito, na realidade você está tentando alcançar as estrelas e ver de longe a felicidade palpável.

Carnaval é ser liberdade da cabeça aos pés. É olhar no olho de um desconhecido, e começar a cantar Minha Pequena Eva sincronizado e sentir uma conexão tão grande que naquele momento, só naquele momento, parece que existe apenas nós dois no mundo. E é extamente por isso que os amores de carnaval são incríveis, porque você vive eles como se estivesse entrando na “última astronave”. Nem parece que a gente está cantando sobre o “final da odisséia terrestre” porque estamos cantando pulando e com um sorriso estampado no rosto alegre. E por falar de rosto alegre, uma amiga querida me falou recentemente que “Nenhum cartaz milita melhor que um corpo alegre”. A alegria do Carnaval é revolucionária, é política, é carregada nos brilhos e cores dos corpos-oceano.

Eu tenho a teoria de que é impossível ser triste no Carnaval, e talvez seja pela breve indiferença com a finitude do mundo. Porque se o mundo acabasse naquele segundo, você morreria feliz. Durante aqueles momentos, não importa a vida normal. E honestamente, vida normal deveria ser a do Carnaval… Ahhh como eu queria que essa fantasia fosse eterna! Mas confesso que se fosse, eu não sei se aguentaria. Precisa estar disposto pra viver tanta intensidade de felicidade em tão poucos dias. Carnaval é comprometimento. Até porque, o que acontece no Carnaval, não fica no Carnaval. Se torna eterno com você em memórias, lembranças e muitas histórias, que sempre começam a ser contadas com a introdução “Naquele Carnaval…”. E nessas reticências contém obrigatoriamente um suspiro de felicidade e nostalgia. E elas dizem mais que essa elocubração inteira lotada de palavras que tentam descrever o que na verdade só se pode sentir. O que só se entende pisando no meio da Presidente Vargas vazia de carros e lotada de gente sendo POESIA. No Carnaval eu me permito acreditar em mágica.

Ahhh! E lembre-se sempre! No Carnaval se corre quando o bloco toca Maria, Maria!

--

--

Ana Bivar

“Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir.” Fernando Pessoa